O direito brasileiro evoluiu muito nas últimas décadas em relação aos direitos das famílias homoafetivas, principalmente quanto à união estável e ao casamento. No entanto, relativamente aos filhos oriundos de reprodução assistida, ainda não há legislação específica.
O tema é objeto de resolução e provimento administrativos - Resolução n⁰ 2320/22 do Conselho Federal de Medicina e Provimento 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça – que acabam norteando os procedimentos médicos e os julgamentos pelos tribunais. Confiram as principais premissas estabelecidas:
(i) Pessoas ou casais homoafetivos masculinos: podem se beneficiar do útero de substituição, a “barriga solidária”. Há uma série de regras: a “cedente temporária do útero” não pode ser a doadora de óvulos ou embriões, deve fazer a cessão sem custo, já ter ao menos um filho e ser parente consanguínea de até quarto grau de um dos pais (pode ser a própria mãe ou filha de um deles, avó, tia, irmã, prima ou sobrinha). Não sendo possível atender ao requisito de consanguinidade, deve ser solicitada autorização do Conselho Regional de Medicina. Há casos famosos, como do ator Paulo Gustavo e seu companheiro, que optaram por barrigas solidarias simultâneas, cada qual com filho biológico de um deles.
(ii) Pessoas ou casais homoafetivos femininos: as mulheres podem se beneficiar não apenas da doação de gametas masculinos como também, quando o procedimento envolve casais, de uma técnica muito interessante: o gameta masculino recebido em doação pode ser usado para fertilizar o óvulo de uma delas, sendo que o embrião resultante é implantado na outra. Assim, embora o sentimento de maternidade ou paternidade plena não dependa disso, ambas terão um vínculo físico com o filho: uma será a mãe biológica, a outra terá gestado o bebê.
Para essas hipóteses reguladas de reprodução assistida, são resguardados os direitos dos pais e mães que se socorrem da barriga solidária e da doação de óvulos ou de embriões, afastando o vínculo com os genitores biológicos no caso de doação, bem como da cedente no caso de barriga solidária.
No entanto, os altos custos envolvidos nesses procedimentos e a burocracia legislativa acabam impulsionando arranjos particulares desprovidos de segurança médica e jurídica, como a inseminação caseira ou a “barriga de aluguel”. Nessa situação informal, o doador de sêmen pode pleitear direitos da paternidade, e, da mesma forma, o filho gerado pode reivindicar direitos da filiação (pensão alimentícia, herança etc.). A mãe que “aluga” informalmente o útero não tem obrigação legal de entregar a criança.
Hoje, está sendo discutido no Senado a reforma do Código Civil. O anteprojeto submetido por uma comissão de juristas dedica uma sessão inteira ao tema da reprodução assistida (“Da filiação decorrente de reprodução assistida” – arts. 1.629-A a 1.629-V). Se aprovado, a lei federal passará a prever expressamente os procedimentos acima, dando mais segurança jurídica.
Ainda que com alguma falta de sincronia, a evolução do direito tem tentado acompanhar a evolução da medicina. O direito de família e das sucessões está atento na eterna e incessante busca por alcançar o turbilhão criativo que é a vida real.
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